Para tentar aliviar as críticas, sobretudo internacionais, o procurador-geral da República de Angola, general Hélder Pitta Gróz, anunciou uma manobra de diversão consubstanciada com a divulgação de que foi instaurado um processo-crime para apurar responsabilidades das mortes nos incidentes do passado dia 30 de Janeiro na vila mineira de Cafunfo.
Segundo o Jornal de Angola (órgão oficial do MPLA), o anúncio foi feito na quinta-feira, no Lubango (Huíla), à margem do encerramento da primeira reunião anual de balanço das actividades desenvolvidas pela Procuradoria-Geral da República na Região Judiciária Sul.
O general Hélder Pitta Gróz sublinhou que não compete à PGR abrir um inquérito, mas fazer a averiguação criminal.
Segundo o magistrado, citado pelo diário do regime, “o processo-crime tem de existir por haver mortes”, estando já a decorrer as diligências “para se apurar as causas das mortes e tudo aquilo que está à volta do sucedido”.
Também na quinta-feira, a embaixadora da União Europeia (UE) em Angola exprimiu “sérias preocupações” sobre os incidentes de Cafunfo, após um encontro com o ministro da Justiça e Direitos Humanos angolano, defendendo um inquérito sobre o assunto.
“Com certeza, a União Europeia pede que seja feito um inquérito sobre o que aconteceu no dia 30 de Janeiro em toda a complexidade e em diálogo com todos os que têm um papel e são intervenientes no processo”, afirmou Jeannette Seppen, no final da reunião com Francisco Queiroz.
Os incidentes de Cafunfo, na província angolana da Lunda Norte, na madrugada de 30 de Janeiro, que as autoridades consideram um “acto de rebelião” e manifestantes afirmam ter sido um “acto pacífico” provocaram um número indeterminado de mortos e feridos.
A polícia angolana afirma que cerca de 300 pessoas ligadas ao Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe (MPPLT), armadas com metralhadoras, que há anos defende autonomia desta região rica em recursos minerais, tentaram invadir nesse dia uma esquadra policial e, em defesa, as forças de ordem e segurança atingiram mortalmente seis pessoas.
A versão policial é contrariada pelos dirigentes do MPPLT, partidos políticos na oposição e sociedade civil local que falam em mais de 20 mortos.
Recorde-se, tantas vezes quantas for necessário, que o Comandante-geral da Polícia (do MPLA), Paulo de Almeida, defendeu, no caso do massacre de Cafunfo, o uso de “meios desproporcionais” para responder efectivamente contra ameaças ao Estado. Para Paulo de Almeida, a resposta da polícia foi em legítima defesa.
O comandante-geral da Polícia Nacional afirmou (como aliás fez o seu primeiro presidente, Agostinho Neto, ao manda massacrar milhares de angolanos em 27 de Maio de 1977), que na defesa da soberania de um Estado não pode haver proporcionalidade, como defendem os juristas.
“Isso é muito bom na teoria jurídica, nós aprendemos isso no Direito. O Estado não tem proporcionalidade, você quando está a atacar a unidade, o Estado, o símbolo, está a atacar o povo“, disse Paulo de Almeida, numa conferência de imprensa destinada a supostamente esclarecer os incidentes em Cafunfo, onde o MPLA mostrou mais uma vez – como já fizera Agostinho Neto em 1977 – que não está para perder tempo com julgamentos, razão pela qual mata primeiro e interroga depois.
Paulo de Almeida avisou que “aqueles que tentarem invadir as esquadras ou qualquer outra instituição para tomada de poder, vão ter resposta pronta, eficiente e desproporcional da Polícia Nacional”. Por alguma razão a Polícia é tão forte com os fracos mas bate com as patas no mataco a fugir velozmente quando o adversário é forte.
“Você está a atacar o Estado angolano com faca, ele responde-te com pistola, se você estiver a atacar com pistola ele responde com AKM, se você estiver a atacar com AKM, ele responde com bazuca, se você estiver a atacar com bazuca, ele responde com míssil, seja terra-terra, terra-mar ou ainda que for um intercontinental, vai dar a volta depois vai atacar”, referiu com o brilhantismo de um gorila anão o Comandante Paulo de Almeida.
E, enquanto o míssil “intercontinental vai dar a volta depois vai atacar”, o Presidente João Lourenço continua heroicamente confinado ao silêncio conivente com a barbárie e com as explicações de quem, por ter uma espécie de cérebro no intestino, sempre que fala expele porcaria.
O comandante-geral da Polícia Nacional rejeitou que haja conflito com o Movimento do Protectorado Português Lunda Tchokwe, que luta pela autonomia da região, afirmando que conflito só existe “com alguma coisa legalmente existente”.
“O que aconteceu foram elementos que foram atacar a nossa unidade, às quatro horas da manhã. Não foram fazer uma participação de uma ocorrência, não foram a um banco de urgência, que são as unidades que têm piquete para atendimento ao público. Foram com catanas, armas, meios contundentes, feiticeiros, para atacar a unidade“, disse Paulo de Almeida. Isto, é claro, sem referir os ataques dos catuituís que estavam nas mangueiras próximas e que foram avisados que Paulo de Almeida iria disparar mísseis intercontinentais, os tais que dão a volta e depois voltam a atacar…
“Eles não foram lá com lenços brancos, ninguém aqui perguntou como é que estão os nossos feridos, o oficial da polícia que apanhou machadada e catanada (…) o oficial das FAA que lhe deram catanadas, queimaram-lhe, ninguém pergunta, não são pessoas”?, questionou.
Por isso, se justificou o fuzilamento já que, segundo Paulo de Almeida, a acção da polícia foi de legítima defesa e “foi assim que houve essas mortes”. Registe-se que, apesar do seu brilhantismo oratório (tipo míssil intercontinental), o Comandante não esclareceu que antes de serem assassinados os angolanos estavam… vivos.
O comandante-geral da Polícia Nacional angolana disse que pelo lado das autoridades não estava a decorrer nenhum inquérito, apenas o processo-crime que foi aberto. Bem visto. Se, até prova em contrário (que só o MPLA pode determinar) todos somos culpados, não há necessidade de inquéritos. Isso só acontece em estados ditatoriais. Nas democracias e estados de Direito que são referência para o MPLA, os inquéritos não existem. Vejam-se os casos da Coreia do Norte e da Guiné Equatorial.
“Vou inquirir o quê? Eu não fui lá [Cafunfo] para fazer inquérito, fui lá para constatar a situação que ocorreu. Há um processo-crime que está a correr os seus trâmites legais, é aí e ponto final, não há inquérito. Se algumas organizações querem fazer isso já é um outro assunto, connosco não há inquérito, fique bem claro”, afirmou Paulo de Almeida. Eventualmente melhor do que Paulo de Almeida para chefiar a Polícia só mesmo uma reencarnação de Idi Amin Dada.
Recorde-se que o então Comissário Chefe da Polícia Nacional, Paulo de Almeida, dizia em Dezembro de 2015 que as últimas manifestações convocadas pelos partidos da Oposição tinham como objectivos a tomada do poder, um golpe de Estado, portanto, motivo pelo qual as forças de segurança as impediram. Nessa altura foi “capturado”, tal como agora na Lunda, um vasto arsenal bélico, com destaque para umas centenas de… cartazes contra o regime.
A Polícia Nacional afirma, reafirma, continua a afirmar ter provas mais do que cabais que provam que esses meliantes (hoje já são terroristas) pretendiam mesmo derrubar o regime. Ontem eram uns, hoje são outros, amanhã seremos todos nós.
Entrevistado pela Rádio Ecclésia sobre o balanço das actividades desenvolvidas pela Policia Nacional, eis que o então seu Segundo Comandante Geral sacou da pistola, perdão, da cartola, a mais bombástica revelação:
“Temos provas de que as orientações eram de um grupo chegar ao Palácio do Governo Provincial, outro grupo saía do Baleizão para chegar ao Palácio Presidencial. As provas recolhidas sustentam a tese de que o objectivo da última manifestação era o assalto ao poder”, garantiu na altura (na altura ainda não estavam disponíveis os mísseis intercontinentais) Paulo de Almeida.
A revelação foi de tal modo estrondosa que, mesmo tendo passado muitos dias sobre essa tentativa, Europa e EUA, para além da Coreia do Norte, terão aconselhado o Presidente José Eduardo dos Santos a, imediatamente, fechar a Assembleia Nacional, prender (antes que eles se exilem) os dirigentes golpistas, instaurar um regime de excepção, com suspensão de todos os direitos civis, cancelamento de qualquer calendário eleitoral e imposição do estado de sítio com a necessária lei marcial.
Desconhece-se a razão pela qual, perante as declarações do Segundo Comandante da Polícia Nacional, Eduardo dos Santos não avançou com estas regras basilares de reacção à tentativa de golpe de Estado. Há quem diga, sem fundamento, que muitas delas já fazem parte do dia-a-dia do regime, sendo por isso desnecessárias.
Paulo de Almeida disse que “a lei permite que os cidadãos ou associações cívicas se manifestem. Os polícias não têm nada que impedir. Mas também a lei diz que essas manifestações têm regras, não podem ser próximas de locais de soberania, não podem ser manifestações que perturbem a ordem e a tranquilidade pública, violentas, que criam instabilidade e ameaçam o pacato cidadão que não tem nada a ver com a confusão”. E acrescentou, para que não restem dúvidas quanto à tentativa de tomar o poder pela força, que “as manifestações não podem ser agressivas, não podem ser desordeiras e nós só actuamos quando elas desrespeitam essas situações”.
Então ficamos todos a saber que a presença de mais de dois cidadãos junto aos locais de soberania é um indício de golpe, que se não forem vestidos com as cores do MPLA e dando vivas ao Presidente os manifestantes serão considerados agressivos, que se andarem a colar cartazes entram na categoria, potencialmente golpista, dos desordeiros.
Paulo de Almeida sublinhou também que a Polícia Nacional sabe quais são as intenções dos manifestantes. E sabe com certeza. Se até consegue saber o que os cidadãos pensam… E então no que pensavam esses golpistas? O Comandante responde: “O público pode não saber isso, mas nós sabemos, então agimos em conformidade. Eu sei que isso não vai agradar às pessoas mas a verdade é esta. Nós estamos aqui para garantir a segurança de todos”.
De todos é como quem diz. De todos os bons, os do MPLA, queria dizer Paulo Almeida. Os outros, chamem-se Manuel de Carvalho Ganga, Cassule ou Kamulingue, não contam como cidadãos e, sempre que possível, devem entrar a cadeia alimentar dos jacarés.